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Pico Ciririca no dia errado

 Mesmo sendo um montanhista bastante recente visto os veteranos da serra do mar, percebo que oque se chamava de começo de temporada de montanha tem se chamado março nos últimos anos, e principalmente neste, talvez porque esse deve ter sido um dos verões mais amenos dentre os últimos, excitando ainda mais os que tem planos em prioridade para a temporada. Eu me incluo neste grupo, e por mim pretendo adiantar bastante este mês de abril, afim de folgar ainda mais os demais. Ontem, esta pressa cobrou o preço de ir em montanha ainda em tempos de clima úmido e instável.
 Talvez meu erro foi ter menosprezado a posição da Serra do Ibitiraquire, e especialmente a do Pico Ciririca. A previsão não estava boa por Antonina, e só um bobo animado como eu não perceberia que isso impactava muito diretamente o objetivo principal deste domingo. A previsão de sol e poucas nuvens de Campina Grande do Sul se cumpriu, mas na serra o mais correto seria considerar isso incerto para uma travessia circular exaustiva como a pretendida: A do Ciririca "Por baixo e por cima" que consiste em fazer sua trilha tradicional, mas retornar sentido Cerro Verde, passando consequentemente nos cumes Cerro Caraguatá, Siri, Luar, Tucum e Camapuã, podendo-se acrescentar sem muito esforço os cumes Ovo de Dinossauro/Cerro Minguante, Meia Lua, Cerro Verde e Camacuã. Esse, o mais completo, era o objetivo de domingo. Para tal, seria necessário boas companhias - o Julian, companheiro de algumas pernadas, mas não geralmente presente na montanha, e o Miguelito, com experiência de longa data, e com bom condicionamento. O preparo era considerável, repassando todos os itens cautelosamente de forma muito mais atenciosa que geralmente. O horário era estratégico, começando pelas 1 da manhã na Fazenda da Bolinha, e a decisão de faze-lo por baixo (é mais comum o contrário) foi para que chegássemos no cume do Ciririca precisamente no nascer do sol, oque ocorreu, mas não da melhor forma. 
 Já são várias idas até as plaquinhas que dividem as trilhas do Camapuã/Ciririca/Pedra Branca, mas essa foi uma das mais rápidas até agora. Em cerca de 45 minutos lá estávamos, mas poderia ser ainda menos se não fosse um certo cansaço do Julian, segundo ele fruto de uma bebedeira ainda meio recente. Falo para nós trocarmos de mochilas, sendo que a minha talvez fosse mais cômoda para ele, confirmando-se ao testa-la. No momento que vou pegar a que ele usava, como de hábito dou uma checada ao redor dela, ato que se mostrou valer a pena pela primeira vez: Uma bizonha aranha se escondia por entre dois dos compartimentos, á removi com cuidado, e mais tarde descobri se tratar de uma aranha da  espécie Paradiestus SP (alimentando assim minha antipatia com paulistas), que produz um veneno em geral inofensivo para humanos, exceto em casos de reação alérgica.
 Mesmo após vários picos até bem pouco conhecidos, a popular montanha de nome infame era por mim desconhecida, então das placas em diante, era terreno novo. Mas como já era de esperar, nenhum segredo. Poucos anos atrás os relatos tratavam de uma trilha muito mais fechada e pouco sinalizada do que é hoje, que mesmo á noite não proporciona grandes dificuldades de orientação, claro, desde que ainda com atenção, pois ainda assim surgem trechos duvidosos, principalmente em algumas descidas e nas travessias de rios (que são várias, e onde a continuação das trilhas na ida geralmente está mais á direitas destes), além de dois pontos específicos onde foram colocadas fitas na horizontal para barrar perdidos comuns em picadas que saíam da principal. É notável também por mapas de que a trilha é  quase completamente reta da fazenda até o cume, embora claro que isso seja quase imperceptível em campo.
 Após as placas há uma primeira descida, inicialmente mais fechada, descendo cerca de 140 metros até o primeiro rio. Em seguida, uma subida um pouco mais aguda do que a que foi até as placas, de cerca de 110 metros de altitude. Chega-se ao Morro do Cedro/Tiapira, que apesar do nome, mais se trata de uma crista que vem do Tucum, do que de um morro em si. Neste ponto, há uma área um tanto boa para camping, em bora isto seja incomum ali. A próxima descida é maior e mais íngreme, levando a um desnível de cerca de 200 metros, que será exaustiva durante o retorno. Neste ponto intercalam-se subidas e descidas, por onde passam 3 rios que descem dentre os cumes do Cerro Verde e Luar, sendo que no terceiro deles está a conhecida Cachoeira do Professor, não tão grande, mas oque eu acho ser um dos poucos pontos mais bonitos desta trilha por baixo. Após a trilha continuar novamente um pouco mais abaixo dela, a subida final passa a tornar forma. Serão mais de 500 metros de altitude tocados pra cima, passando também por um último ponto de coleta de água não tão abundante conhecido como "Última Chance", ponto onde também há uma ligação com a trilha de cima (que leva um pouco antes ao cume do morro Siri) mas que não é a única, já que atualmente há outra que se liga com a de cima bem mais próximo do cume do Ciririca, e que esta passaria pelo Siri e pelo Cerro Caraguatá diretamente. Até a Cachoeira do Professor foram 2:30h de caminhada em bom ritmo.
 Mais ao sudoeste da posição do Cerro Caraguatá a trilha passa a ser brevemente por um mato baixo, oque permitiria uma revigorante vista caso fosse um dia aberto. A trilha então torna-se coberta novamente, para mais a frente chegar até a chamada "Rampa do Ciririca", de paredes bem mais verticais do que as do Camapuã, mas em um curto trecho, e vencidas com calma e com a ajuda de cordas lá instaladas. Apenas a primeira parede precisa ser escalada pela lateral, com a ajuda da vegetação. Após ela, mais um curto trecho de trilha coberta, até passar a se percorrer por entre vegetação de mais alta altitude. Foi aí que nossos problemas começaram.
 Passamos toda a madrugada levemente molhados, um pouco devido ao levíssimo sereno que caía quando a floresta não á impedia de chegar até o solo, mas em maior parte pela vegetação que estava bastante molhada, mas como a trilha em geral era bem aberta, pouco nos atingia. Mas chegando no cume, aquela vegetação dura transpassada apenas através do ato de empurrar o corpo contra ela, estava completamente encharcada, nos deixando imediatamente da mesma forma. Até chegar ao cume, eu estava completamente molhado, mesmo com a bota impermeável e uma boa perneira, estava com os pés submersos, e até nos pertences mais profundos da mochila já estavam em contato com a água.
 Mas já bem antes disso percebíamos com descontentamento as condições fixas daquele cume. Não ia dar para ver nada além de 20 metros de onde estivéssemos, e mais tarde vimos de longe que aquilo se manteve o dia inteiro. Mas ainda que lá esperássemos, a hipotermia atingiria á todos, já que mesmo quase sem vento, a temperatura era baixa, sobretudo em nós, molhados até o último pelo. Um breve lanche no cume, ao lado do marco geodésico, foi só o mínimo para que nosso corpo ainda conseguisse extrair algum calor. No começo da descida, confesso que tremia. Foi um baque necessário para eu rever meus equipamentos referente á temperatura nesta temporada que estava ali começando. 
 A descida teve também mais um problema. Já na ida o colega Miguelito já havia se queixado de dor em um dos joelhos, oque o preocupava em nos acompanhar durante o resto do trajeto após o Ciririca. Mas na volta, este mal que provavelmente teve como fator principal a ida em forte ritmo somado ao frio e umidade que encontremos acima, acabou afetando os 5 joelhos restantes de nós. Isto nos fez fazer as descidas como velhas, temendo piorar a situação, mas ao menos cientes de que tomemos a atitude correta de voltar novamente por baixo, poupando-nos de mais cumes fechados e baixas temperaturas nos demais cumes. Nas subidas, principalmente naquela que seria após a Cachoeira do Professor, a dor nos joelhos deu lugar ao cansaço acumulado por se tratar de um ataque ao Ciririca. Chegamos até ás plaquinhas 11:20 da manhã, e conseguindo dar um gás no restante, chegamos na fazenda pontualmente ao meio dia. Na ida, chegamos ao cume do Ciririca em pontuais 5 horas. 
 Eu sei que não sou uma pessoa para se fazer o Everest. Meses de planejamento e treinamento passando por montanhas acima de 6 mil metros, semanas de viagem e aproximação, uma fortuna em equipamento desde roupas adequadas á oxigênio, passagens e encargos de burocratas, pagamento de sherpas e seja lá mais oque, para no final poder voltar para casa sem cume seja pelo clima, preparo físico insuficiente, acidentes, problemas de saúde ou outras condições da própria montanha, como deslizamentos de neve. O meu descontentamento de não poder ter concluído a travessia, sentimento que ao menos só existiu durante o retorno ainda na trilha, é sinal de uma certa imaturidade com o imprevisto, que certamente também afeta meu rendimento físico naquele momento. Levar o aprendizado quanto á melhorar o preparo por calor e considerar melhor outras influências de clima no local desejado só tem a tornar mais promissor as próximas conquistas.