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Torre da Prata - Serra da Prata



  De qualquer lugar que eu olhasse, a Torre era diferente. Do Capivari Grande, do Camapuã, do Munhoz, do Jurema ou da praia, o Torre é sempre uma pirâmide que convida á conquista, e quando se vê da Rodovia Curitiba - Paraná, suas rochas mais ao cume decoram a montanha e a tornam simplesmente diferente de todas as outras. Não que exista sequer um cume como outro, mas esse, ao menos por aqui, é digno de nota, tal como o Pico Paraná ou o Marumbi. 
 A dificuldade era sempre presente em qualquer relato, não tanto quanto á vegetação, pois é uma trilha de poucas dúvidas - embora ainda aconteçam - mas principalmente pela desnível, subindo mais de 1400 metros de altitude em pouco menos de 7 quilômetros. Foi com ele que resolvi abrir a temporada de montanha de 2022, embora já tivesse feito o Morro do Boi em Corupá um tempo antes, essa foi a primeira com um clima mais frio, embora ainda estivéssemos apenas na metade de Abril. Mas eram dias muito propícios, sendo que no final de semana seguinte o Pico Paraná e o Camelos foram os próximos á serem alcançados. 
 Partimos cedo de Araucária, na companhia de dois amigos de futsal, com condicionamento suficiente para conseguirem conquistar a Torre da Prata ainda como sua primeira trilha, e não apenas conseguindo, mas também me surpreendendo. Saímos da rodovia á direita, na Estrada da limeira, e seguimos por 8km pela estrada em boas condições, até chegar o ponto onde os tracklogs indicavam como o começo da trilha. Eu também sabia que era possivelmente naquela casa ali, de frente para uma entrada para o rio, que costumava morar um senhor que cedia sua área como estacionamento, mas segundo um relato ele não morava mais ali. Paremos o carro e nos preparamos, e na hora de partir, descemos até o rio onde passamos á procurar a entrada para a trilha. Não havia nenhuma marcação visível ali ou na outra margem, e a pequena entrada do outro lado não dava em nada além de um bambuzal. Meus colegas subiram mais um pouco e observaram na outra margem uma provável entrada, que acabou sendo a correta. Passaram por ali sem molharem os calçados, enquanto o meu já começava o dia gelado com água até a canela, mas que pouco me incomoda. Passamos por uma casa de madeira abandonada á esquerda, e a trilha segue como uma caminhada levemente íngreme por um tempo. Sabíamos que a pegada da Torre da Prata é bem gradual.





 Conversa vai e conversa vem, eu pensava se nós seríamos os únicos na trilha da Torre da Prata naquele domingo. A trilha até então estava um tanto fechada em alguns trechos, e em outros surgiam algumas bifurcações que não levavam á nada, e que era necessário sempre consultar os tracklogs. Lembro de ter visto uma caminhonete parada quase dentro daquela casa á beira da estrada, e por um momento lembrei da caminhonete de um notório montanhista paranaense, o Seu Nério, mas pensei que provavelmente seria do proprietário daquela casa. Pouco adiante ouvimos alguns barulhos fortes na mata adiante, seguimos e logo levo um grande susto ao ver de relance um homem barbudo me encarando mais á frente. "Tá querendo me matar do coração, Seu Nério?!" imediatamente. Pareceu surpreso por eu lhe conhecer, não me identificando de imediato. Perguntou meu nome e assim lembrou de algumas breves conversas e comentários que havíamos trocados anteriormente, e disse que estava na Torre da Prata pois gosta de iniciar a temporada de montanha nela, já tendo assim vindo algumas vezes. Com o facão, estava abrindo um pouco a trilha para quem viesse posteriormente, e fomos os primeiros á aproveitar de tal esforço lá atrás. Acabou sendo durante todo o dia uma fantástica companhia, contando suas histórias enquanto eu aproveitava para conhecer um pouco mais de alguns picos que eu ainda estava para fazer, e que ele já havia passado. Contou sobre a tenebrosa subida do Ferraria pela face leste, onde deu de cara com uma onça, sua experiência de quase morte na descida do Balança na Farinha Seca, e um pouco de suas investidas pelo setor sul da Serra do Ibitiraquire. 
 Em certa altura, chega-se á um rio, ponto de água importante, o outro é só quase no cume. Uma plaquinha indica a trilha á direita, e daí em diante passa á percorrer mais toda a crista encoberta que leva quase reto ao cume da montanha. A trilha segue como o planejado, ou seja, exigindo paradas frequentes para respirar um pouco, sempre rápidas, pois poucos segundos separavam o descanso de uma perca de temperatura corporal. Surgiam as vezes alguns mirantes, dois em especial que davam uma boa noção da altura que já havíamos subido, um com visão para o oeste, barrado pela visão da Serra da Boa Vista, e outro mais especial, com visão para o norte, onde a porção norte da Serra da Prata e a baía de Paranaguá eram avistadas.
 Não bastasse a altimetria, era constantemente necessário um verdadeiro parkour para seguir adiante. A quantidade de árvores caídas era tanta que talvez reduzisse em algumas dezenas de minutos o tempo total da subida, já que muitas vezes elas acabavam por sumir com a trilha junto. Uma delas, que acabou deixando suas raízes expostas na direção da trilha, virou o checkpoint do trajeto. Chega-se enfim á aquele tipo de vegetação que anuncia que o topo está próximo, ou nesse caso, pelo menos a altitude se aproxima. Torna-se visível um raio de 180º ao oeste, revigorando as energias, mas é quando chega-se aos "campos superiores" que o cume deixa de ser uma mera esperança e torna-se uma realidade, visto mais á frente.









Serra da Boa Vista (frente) e Serra da Igreja, com destaque para o Pico da Igreja
Serrinha
Baía de Paranguá e porção norte da Serra da Prata - o Bico Torto e a Pedra Queimada


Chegada aos campos de altitude, cume da Torre da Prata é a porção rochosa da esquerda, entre as duas do centro



 Dali começa uma sequencia de sobe e desce, por onde em certo momento se passa pela segunda e última fonte de água antes do cume. Algumas partes desses campos são muito escorregadias, por segurarem água da chuva por muito tempo até secar. A última subida é a mais longa das outras, mas ali já sobe-se na força do ódio, então há sempre energia de sobra. A trilha alterna-se com algumas pedras, em seguida uma corda auxilia um último trecho, sobe-se mais alguns degraus e de repente você está acima de toda a Serra da Prata, contemplando tudo de onde se enxerga a Torre da Prata no horizonte.  

    Á poucos metros do fim da trilha

















 Em um dia limpo, até Joinville é visível, seguida por Itapoá, Guaratuba e Matinhos, toda a linha litorânea paranaense, a Ilha do Mel torna-se pequena, Paranaguá tem destaque e mais ao lado identifica-se o agudo Pico Cunhaporanga em Guaraqueçaba, a pontinha do Capivari Grande é vista logo após de toda a extensão do Ibitiraquire, seguida pela Farinha Seca, pelo Marumbi, pela Serra da Igreja, pela Serra do Salto, pela Serra do Araçatuba e pela do Quiriri, até Joinville novamente. A visão 360º da Torre é um agradecimento pela subida, e as butucas é um último esforço á se pagar pela montanha. Encontramos no cume o pessoal da Pontal Adventure, um grupo da cidade litorânea de Pontal do Paraná que veio conhecer a montanha que há muito tempo á contemplava só de lá de baixo. Após uma longa e merecida pausa no cume, muita comida e alguns cochilos, e até um susto por uma forte câimbra intestinal que apavorou o Seu Nério. Chegamos no cume ás 14h, após quase 6 horas de subida, e iniciamos a descida ás 15h, tentando chegar com luz diurna se possível. 



O morro em segundo plano é o lado oposto da Pedra Queimada, trilha que se inicia na localidade do Morro Inglês, em Paranguá. O pequeno cume visto na mesma direção dele provavelmente é o Bico/Pico Torto.

Cumes na extremidade sul da Torre da Prata. Quem sabe um dia...

Cidade de Paranaguá




Butucas que atacavam sobretudo os que ousassem a ficar de pé no cume da Torre. Quem sentava, tinha uma trégua.


Morros ao oeste da Rodovia Paranaguá-Matinhos, dentre eles "Rolado" "Agudinho" "Subida Grande" "Parati" "Pedra Branca", e os mais populares Escalvado e Cabaraquara, já nas área urbana.

"As fotos do rolê ficaram ótimas"

 Na descida algumas confusões, pois embora bem fitada, nos trechos onde a trilha começa á perder a inclinação, surgem alguns caminhos instintivos mas que logo se mostram errados, obrigando á retornar e identificar o erro. Se tornaram mais comuns conforme a luz foi caindo e as lanternas tiveram que pular para fora das mochilas, onde após uma caminhada que parecia que não teria fim, passamos a escutar o rio que anunciava nosso estacionamento, e após ver novamente a abandonada casa de madeira, só faltava molhar o pé mais uma vez e ir para casa. Nos despedimos do Seu Nério com uma saudade do dia que acabava de acabar, e seguimos para casa onde eu esperava ter entregado aos meus colegas um dia memorável pelo esforço e pela recompensa. Satisfeito por já conhecer as duas visões mais belas da Torre da Prata, a de baixo, e a de cima. 


Trechos de árvores caídas na volta, que atrasaram um pouco o retorno



Maykon, "Seu" Nério e Heleno