
No começo de 2015, eu queria viajar pela primeira vez de avião. Não tinha passaporte, mas também não queria gastar muito, e já conhecendo Florianópolis, o Rio de Janeiro tinha um custo x benefício imbatível. Quando eu era criança, meus olhos brilhavam com alguns comerciais que se passavam no Rio. Quando eu era adolescente, algumas bandas das quais eu gostava haviam gravado clipes no Rio, como o U2, que gravou Walk On na cidade. Não havia dúvidas quanto ao destino, e a data foi no final de semana pré-tiradentes, que apesar do feriado próximo, custava apenas cerca de 250 reais as duas passagens, e escolhi um hostel no Bota-Fogo ao lado da estação do Metrô, por R$ 35 a diária. Levava roupas e tênis esportivos, além de uma mochila velha dos tempos do fundamental, pois a intenção era conhecer o máximo que esses três dias permitissem. Despretenciosamente conheci o Morro da Urca, mais conhecido como o Pão de Açúcar, através da trilha que dá acesso ao Morro menor, assustado pelo preço cobrado pelo bondinho, mais de 100 reais. Ali, essa experiência foi extremamente instigante, fazendo a Trilha do Corcovado, que é o do Cristo Redendor, logo após o almoço. Á noite no hostel, esqueci os outros planos e queria saber qual era o pico mais irado que eu poderia fazer estando lá. E era justamente aquele monstruoso pico que havia passado o dia olhando, a inigualável Pedra da Gávea.
Na manhã seguinte, corro pegar dois ou três ônibus que me levem o mais próximo possível do início da trilha. Conforme me aproximo, penso cada vez mais na loucura que aquilo parecia ser, para alguém que nunca fez nada parecido, e estava sozinho. O Rio já é um lugar bastante perigoso para ainda se sair fazendo coisas sem conhecimento prévio. Havia lido que a Gávea não é impossível para um iniciante, mas que a famosa Carrasqueira, impedia muitos de seguir adiante, ou colocava em sério risco aqueles que seguiam adiante, naquela montanha que possui a maior média de mortes de todo o Brasil, justamente por este conhecido trecho.
O desembarque é cerca de meia hora de caminhada do começo da trilha, onde o paredão visto dali dá um arrepio na espinha. As ruas mais próximas passam á ser uma torturante subida, até chegar no ponto onde há um posto de controle, um IAP Carioca. Chegando lá, "What's your name?" Uma frase que sempre ouvi bastente indo pra lá (dentre outras coisas... quem sabe, sabe). Como eram outros tempos, o hábito de tirar fotos do percurso não existia. Não lembro se haviam marcações nas árvores, mas era simplesmente uma trilha sempre larga, bem definida, e de constante subida, embora não íngreme. Há um ponto de água no início, em uma cascata á direita da trilha. Adiante, as escadinhas formadas no solo exigem que o visitante se acostume. Há uma parada típica no meio da trilha, onde há um ponto de água vindo de uma pedra em que se escorre água, onde na última vez, um cano instalado ajudava a canalizar a água. É um ponto onde costuma-se formar fila, e onde os maconheiros fazem uma longa parada para fumar sua erva. A trilha segue-se na lateral á direita, onde é necessário cuidado, pois as pedras são bem escorregadias. Dali em diante, torna-se cada vez mais comúm trechos de escalaminhadas e íngremes subidas em troncos e rochas, as vezes auxiliados por correntes. Alguns exigem bastante os braços para seguir acima. Mais acima, o solo passa á ser cada vez mais formado por um pó fino, que acaba sendo um tanto escorregadio na descida. Chega-se á um mirante onde é possível ver a conhecida forma na rocha, conhecida como "O Rosto do Imperador". Pouco depois chega-se á temida carrasqueira, onde muitos passam á seguir lentamente o caminho acima. Passei por este trecho sem nenhuma dificuldade, mas sempre com atenção, pois de fato, nenhuma queda ali limita-se á alguns arranhões. A vista para o sul já faz qualquer um voltar para casa satisfeito, mas passado oque seria o pior trecho, só o cume interessa. A trilha agora passa á seguir mais á direita, por uma caminhada com vários trechos um tanto perigosos, onde surge o risco de cair no desfiladeiro á direita, onde quase perdi a vida de bobeira na minha terceira ida á Gávea. Após esse trecho, a trilha volta á ser coberta, subindo por entre muitas raízes, onde após um tempo uma árvore inesquecível anuncia a chegada á parte superior do destino. Chegando lá, sabia que nunca havia me sentido tão vivo, tão eufórico, tão completo. Todas as melhores músicas tocavam simultaneamente na minha cabeça. Alguns passos mais á frente, e a melhor vista da cidade, e uma das melhores do mundo, á julgar pelo que eu vejo da Pedra da Gávea em alguns comerciais por aí. Lá é um lugar de fotos, de meditação, e de muita, muita maconha. Na outra extremidade do pico, onde leva-se alguns minutos para chegar através de uma descida de corrente e de uma subida em rocha um tanto difícil, chega-se á dois pontos bastante conhecidos entre os que gostam de arriscar á vida por curtidas em redes sociais: A "cadeirinha", um assento formado na pedra que é um tanto arriscado de se chegar, e outro ponto, o qual eu não conheço nome, onde as pessoas costumam tirar fotos penduradas na extremidade de uma rocha. Nas minhas duas primeiras vezes lá, cheguei logo quedas que haviam acontecido ali, que faziam a pessoa despencar por alguns metros até um mato onde provavelmente haviam algumas rochas. Em ambos os casos, com fraturas, e resgate aéreo.
Na terceira vez que visitei a Pedra da Gávea, fiz com a companhia de um grande amigo que era da minha cidade e estava morando no Rio há um tempo, e foi ele quem me ajudou á não morrer na queda após a carrasqueira. Logo antes, fui eu que insisti que ele subisse a carrasqueira, que o assustava muito, e por ser um pouco mais baixo que eu, tinha um pouco de dificuldade em alcançar as melhores agarras nas rochas, mas que encarou o desafio. Na descida, um homem, quase senhor, auxiliava os que desejavam descer com a ajuda de equipamento de rapel, pelo custo de 50 reais. Um sujeito chegou no mesmo momento, e ao saber do custo, passou á discutir com o coitado do homem, pelo custo "exorbitante" que cobrava para descer. Uma grande bobagem, que faz parecer que ele obriga as pessoas á estarem lá, ou á dependerem do seu serviço. Sobe até lá nos dias de maior movimento pois vê na dificuldade de algumas pessoas, uma oportunidade de descer com segurança, e até que haja alguém que ofereça concorrência, define o preço. Os incomodados, que desçam em silêncio ou que passem á fazer a Pedra da Gávea diariamente para ofertar um preço mais baixo. Hoje estou mais liberal que o Amoedo.

Na aproximação da Pedra da Gávea, o "Pico dos Quatro" chama a atenção por seu imponente paredão. Entre ele e a Pedra da Gávea está um famoso mirante conhecido como Garganta do Céu.


Á esquerda, Morro do Cochrane
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| Pico da Agulhinha da Gávea, acessado por trilha á partir do estacionamento da Pedra Bonita, que está á sua esquerda. Á direita, Morro do Cochrane. |

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| Pão de Açúcar ao centro, e ao lado direito, mais próximo, Morro dos Cabritos. |
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| Cabeça do Imperador Fenício, segundo a lenda. |
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| Região da Barra da Tijuca |
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| Início da Carrasqueira (obviamente, não sobe-se pelo o paredão á frente) |
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| Arquipélago |

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| A "Cadeirinha" |
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| Cume da Pedra da Gávea á esquerda, e Pico do Papagaio, da Floresta Nacional da Tijuca á direita, vistos do Platô da Gávea. |
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| Pedra Bonita repleta de pessoas no feriado de Tiradentes. O pico, bastante popular, é acessado através de uma trilha fácil que parte do seu estacionamento, já em maior altitude. É conhecido por possuir uma rampa de voo livre. |
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Subida da Carrasqueira
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Meu colega André, na única vez que subi a Gávea acompanhado, na terceira e última até então.
Cascata no começo da trilha