A trilha do Itupava foi a minha primeira no Paraná, e abriu minha mente para explorar á fundo toda a região em busca de novos picos e experiências. Porém, ela sequer foi feita da forma mais purista, percorrendo a maior parte do trajeto pela linha ferroviária que liga o planalto á baixada litorânea, rota ainda assim preferida pela maioria dos frequentadores, por proporcionar muito mais belas paisagens do que o Itupava em si, mesmo que sua frequentação seja proibida, mas aparentemente muito pouco reprimida na prática, pelo menos até então. Como eu tinha sido levado por um grupo de amigos, acreditava ter finalizado o próprio Itupava. Mas ele é um caminho diferente, que deixa de ser uma caminhada despretensiosa pela ferrovia em busca das melhores fotos, e passa á ser muito mais acompanhada pela sensação de ser um daqueles que utilizavam a rota por dias até chegar ao seu destino, muitas vezes levando cargas, ou atormentado pelo pensamento da efetuação do calçamento que define o seu percurso. Após passar a madrugada acordado em uma festa de aniversário, fincado até ás 8 da manhã acompanhando meu agora ex-parceiro de trilha em seu coma alcoólico no hospital, o tempo estava contra mim, indisposto á pagar 80 reais de Uber até o trailer do IAP em Quatro Barras, e assim tendo que partir do terminal de Araucária até o Guadalupe, e pegando outro ônibus até Pinhais para pegar outro até Piraquara. Normalmente havia um que ia do Guadalupe direto até o trailer do IAP, mas que pelo jeito, são poucos durante todo o dia, ou deixou de ser oferecida. Chegando em Pinhais, o ônibus que utilizei se atrasou e acabei perdendo o qual melhor me atenderia, então entre esperar e atrasar ainda mais o dia, peguei um Uber dali, que acabou não saindo muito barato, fazendo eu quase me arrepender de não pegar o Uber de Araucária direto que levaria cerca de 1 hora até lá. Pelo menos as 2 horas que já haviam passado permitiram boas sonecas, daquelas que só a cabeça batendo na janela do ônibus é capaz de proporcionar. O motorista do Uber que me atendeu virou um capítulo do dia, curioso por saber as minhas intenções vestido daquele jeito, equipado e sozinho sendo deixado na beira da serra do mar.
Chegando lá, outro imprevisto, pois a noite em claro me fez esquecer de uma das coisas que precisava levar, a porcaria da declaração do IAP. Contextualizando, a trilha do Itupava havia acabado de sair por um período de fechamento de dois longos anos, inicialmente por causa da pandemia, mas em seguida, e pela maior parte do tempo, devido ao mal estado em que algumas pontes que cruzavam alguns rios na trilha estavam, tornando uma questão de tempo até ocorrer algum acidente ou até uma fatalidade. O IAP teve dois anos para fazer os serviços de manutenção dos locais, que nunca deveriam sequer ter chegado ao ponto em que estavam, ainda mais se tratando de um percurso conhecido, bastante frequentado, e altamente histórico, e ao fim desse período, conseguiu uma taxa surpreendente de 0% de sucesso. Ao final, como uma alternativa para não sofrer nenhuma consequência em caso de algum acidente devido á falta de manutenção, passou á obrigar os frequentadores á imprimirem á partir do seu site uma declaração assumindo minha total responsabilidade em caso de acidentes de qualquer natureza. Como eu havia esquecido, achei que eles entenderiam, e talvez já por virem algum certo número de pessoas chegando e desconhecendo a nova exigência, teriam ali com eles o bendito papel pronto para assinar. Mas não, e grosseiramente o sujeito ainda disse que perdi a viagem. Porém, disse que a cuidadora do estacionamento logo ao lado - que creio eu que aquilo seja um puxadinho do próprio IAP para ganhar mais "fundos", estava vendendo o papel por 2 reais. Para resumir: O IAP, Instituto Água e Terra do Paraná, fecha um patrimônio público de relevância histórica e de direito de acesso pela população, pelo péssimo estado em que a mesma deixou chegar pela sua incompetência, e quando sob pressão popular volta enfim á abrir a trilha, mas obriga que você seja completamente responsável pelos acidentes causados pela má administração dos impostos que com certeza são canalizados até ali, e caso você chegue sem essa declaração, você é levado á pagar por ela. Parabéns IAP. Caso o roteiro do filme "Uma Noite de Crime" fosse real, eu gostaria muito de conhecer vocês. Iniciei a trilha 11 horas, tempo suficiente para termina-la com luz do dia, mas minha preocupação era chegar até Morretes á tempo de pegar um ônibus de volta, coisa que da última vez fazendo a trilha pelos trilhos, não foi possível. A trilha se inicia poucos metros á frente do trailer do Iap, por onde vai também ao morro Pão de Loth. A trilha é bem larga e por um bom tempo passa-se por mais caminhada e declives do que por subida, e segue-se assim até a bifurcação com o Pão de Loth, onde pouco antes já se torna visível em trechos que costumam estar bem lamacentos. Dali em diante a trilha passa á ser uma caminhada variando com declives novamente, e onde o calçamento de pedras se inicia, este que já é liso em qualquer circunstância, estava ainda pior, pois as chuvas durante toda a semana transformaram alguns trechos em um rio, e não apenas poças de água, tornando escorregadas frequentes, mas nenhuma "evoluindo" até um tombo, algo que eu realmente não queria nesse domingo. Dali em diante, já sabia pela cara do domingo que seria quase impossível encontrar mais alguém no percurso. Me surpreendi um pouco pela distância que levei até a Casa do Ipiranga, na minha memória parecia que o trajeto até o Pão de Loth era maior do que o a seguir, mas acabou sendo o contrário. Foi cerca de 1:40 até a Casa do Ipiranga, tendo pouco antes passado pelas pontes em mal estado que foram a causa dos fechamentos. Uma estava bastante torta e demonstrando mais perigo, tendo a opção de passar pelo rio baixo logo antes, mas que optei passar pela ponte, que não chega á estar interditada. A outra ponte, agora mais próximo da casa, estava sem algumas ripas, mas seu maior risco se dava pelo quão liso estava, embora fosse apenas questão de equilibrar-se com suas laterais. A chegada na Casa do Ipiranga foi um dos inúmeros trechos onde a ausência de frequentadores fez com que o mato fechasse um pouco a trilha em alguns pontos, nada que fosse necessariamente um problema, mas me encharcando por estarem molhados. A casa era aquela mesma de 2020 e de 2018, eterna vítima do tempo e do descaso. Escolhi não ir na roda de água ao lado, ponto que vale a pena a visita, já por questões do tempo disponível.
O mesmo trecho, em foto de 2020
Atravessei a linha do trem chegando ao início do próximo trecho, este que seria novo para mim que só conhecia o restante pela ferrovia. Um pequeno aclive inicial e volta á ser um trecho um tanto longo de calçamento, onde a trilha alternava-se constantemente de largura e de cenários alternados. Atravessa-se rios 3 vezes, sendo que um possui uma cachoeira pouco acima, de onde pode-se aproximar-se pela lateral, com alguns poucos sinais de que façam o mesmo. Segundo meu mapa, existe uma ligação ali em diante com a represa Véu de Noiva, que estava mais á minha esquerda, e por onde um trem logo passou. Esse trecho da trilha, embora muito mais monótono que quando feita pela ferrovia, corta vários quilômetros de curvas dos trilhos, levando até o próximo ponto, o Santuário Nossa Senhora do Cadeado, bem mais rapidamente, no meu caso, esse trecho levou 1:40h. Pouco antes de chegar, há uma elevação na trilha onde é possível subir rapidamente e ter uma visão encoberta na direção de Morretes, e pouco adiante inicia-se uma escadaria de metal que impede de ter que descer a íngreme encosta da ferrovia de outra maneira.
Chegando neste ponto, infelizmente o Marumbi estava encoberto por nuvens, visão que seria um dos pontos altos do dia. Mas como eu já o conhecia, toquei adiante após algumas gravações, para o último trecho desconhecido até então. Havia visto pelos mapas que este seria mais curto que o anterior, mas que inicialmente seria um pouco íngreme, como acabou sendo. O calçamento como sempre demandava atenção, sendo o segredo não depender dele, mas pisando sempre nos pontos de terra ao redor de cada rocha, ou andando pelas laterais. Encontro ali um grande grupo, que descia lentamente por esse trecho, e pouco depois encontrei mais 2 rapazes fazendo a trilha. Atravesso duas pontes pênseis, por onde o caminho passa á seguir ao lado do rio até chegar na escadinha de madeira na rua que dá acesso ao Marumbi, ás 15:30, 4 horas e meia após iniciar a trilha, e levando mais 15 minutos até a casinha do IAP.
Deixei meu nome e com tempo de sobra iniciei o caminho até Morretes, este que seria de mais 11km até a Rodoviária, caso não surgisse nenhuma alternativa no caminho. Me informei em um ponto ligado ao Bóia Cross do rio Nhundiaquara por onde já peguei carona no Itupava anterior, para perguntar se por acaso estaria disponível, e não estava. Sem problemas, afinal, eu ainda tinha energia e tempo o suficiente para ir andando. 16:30 eu chegava na ponte de ferro, onde caminhei por mais cerca de 20 minutos até um carro passar por mim lentamente, com um senhorzinho dirigindo, e perguntando se eu por acaso precisaria de uma carona até a cidade. Esse tipo de cordialidade só seria possível (e talvez confiável) de alguém que se identificasse com aquela mochila, com aquela perneira e com aquela roupa, e foi tiro e queda, pois aquele era um antigo remanescente da geração de Marumbinistas que já havia feito muito uma caminhada como aquela no passado. Esse Uber VIP foi uma benção tão grande que chegando á rodoviária ainda embarquei imediatamente sem ter que esperar uma hora até o próximo. Foram 23.5 km andados em 5:55, e um nome á menos na interminável lista.
Marumbi visto do Santuário Nossa Senhora do Cadeado, em um dia com clima mais favorável, em um ano já nem tanto - 2020.
A Roda de Água, próxima da Casa do Ipiranga, possui algumas cachoeiras bastante frequentadas no verão, mas merecem atenção para o risco de acidentes.
Trecho antes da bifurcação com o morro Pão de Loth, em 2020