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O Pilão de Pedra

Para muitos dos montanhistas mais veteranos, o cenário encontrado em montanhas que se tornam muito frequentadas os fazem temer pelas montanhas que conquistaram mas que continuam intocáveis. O ser humano chega, desmata, polui e altera, e muitas vezes ainda o incendeia, causando uma série de impactos que mudam para sempre um local que por milhões de anos se construiu e guardava para si uma beleza que só o tempo é capaz de formar. Diante disso, as trilhas que partiam do Viaduto dos Padres, na rodovia Curitiba-Paranaguá pareciam evitar serem citadas, pelo menos essa é a minha impressão, que vim depois. Lembro de ter olhado no começo de 2019 no Wikiloc nesta região em busca de algum caminho ou informação para esta cadeia de montanhas que me chamara a atenção, e eram pouquíssimos os registros ali, de contar nos dedos. Em 2020, com o fechamento dos parques estaduais, muitos montanhistas - com razão - procuraram alternativas pouco conhecidas para a temporada de montanha, que os permitiriam serem discretos e terem pouca - ou nenhuma - exposição ao Covid. E semana após semana os tracklogs aumentaram. Para mim, algo inevitável, ainda também pois para quem era do meio, estas montanhas eram conhecidas, e o fechamento dos parques, em conjunto com a maior quantidade de informação á respeito delas, apenas fizeram planos serem realizados antes. Ainda que o lugar agora esteja mais do que nunca exposto para pessoas que possam depreda-lo, ainda é um completamente desconhecido do público que não é entusiasta no montanhismo local, e ainda também não fornece o mínimo de estrutura que outros locais acabam oferecendo para este público mais casual.


Assim, o Pilão de Pedra, o mais curto dos 3 cumes principais acessados por ali, foi meu objetivo em um domingo no começo do outono de 2021, junto com mais um colega de trilhas. Parando o carro na cerca no canto do viaduto, começamos a trilha pelas 8:30 imaginando que pouco depois do meio dia já estaríamos de volta na estrada, mas não esperávamos que seriamos surpreendidos por trilhas secundárias que custamos á nos alinhar com o tracklog que eu possuía. O começo da trilha era bem demarcado e sem nenhuma preocupação, e seu bioma parecia diferente de muitos outros locais da serra, mais intenso e preservado. Mais adiante surge uma trifurcação em que tomamos á direita, e me pergunto aonde o caminho á esquerda levaria. Um tempo depois, surge a confusão. Foi quase uma hora de dificuldade entre trilhas que outras pessoas abriram claramente na dificuldade de encontrar o caminho correto. Quando pensávamos ter encontrado o caminho certo, nos víamos apenas continuando á "cavocar" uma trilha secundária, quando ainda não acabávamos percebendo que apenas tínhamos andado em círculos. Quando de fato identificamos a trilha correta, quase choremos. Seguimos em frente na força do ódio pelo tempo que perdemos, e logo o calor do meio dia começava á esquentar á medida que as vezes a vegetação permitia uma maior passagem do sol. A trilha embora diversas vezes marcada com fitas, também se demonstrava fechada em muitos trechos, parte disso talvez devido á época não muito ideal da nossa visita.



               

               







Enfim chegávamos á bica de água que simbolizava a bifurcação entre o caminho do Pilão de Pedra e do Pico X. A partir dali, encontrar as fitas eram muitas vezes a única forma de encontrar a trilha, e demandava um momento de olhar atencioso ao redor para identifica-las no meio da mata. Estávamos um pouco cansados, pois o calor e o tempo que havíamos perdido lá atrás ainda nos derretia internamente, mas ao menos sabíamos que estávamos subindo, não errávamos o caminho e logo a vegetação começava á mudar, como um sinal de que o cume poderia ser contemplado em breve. Esse breve demorou um pouco, e a vegetação que invadia a trilha, sobretudo na altura dos ombros e da cabeça, desacelerava nosso ritmo já cansado de comer teia de aranha desde a manhã. E pouco acima um tenebroso "ninho" de aranhas, simplesmente infestado delas, fez meu colega dizer com calma e apreensão "C-cara... Olha devagar para o lado. Não se mexa" e a visão do inferno ali nos fez ficar diversas vezes mais apreensivos no restante da subida nesta vegetação. Aranha é um bicho do demônio, muitas vezes inofensivo, bela, majestosos e engenheiros, mas ainda assim, do demônio.
Atrás de nós a vegetação começava á ficar mais baixa e a visão do Pìco X e do Primeiro de Maio finalmente era possível, para que enfim chegássemos ao cume do Pilão de Pedra, marcado por uma antena e por uma belíssima e única vista de toda a região ao redor, principalmente da Serra do Marumbi, Morretes, Baía de Paranaguá e da Serra da Boa Vista e da Prata. Com o Drone, também pude fotografar a Serra da Igreja, de onde o Pilão de Pedra estava na sua extremidade na Serra das Canavieiras, e onde o belo e imponente Morro da Igreja aguardava para talvez ter meus pés no futuro.

































                    



Após um lanche e muitas fotos, descemos montanha abaixo para infelizmente enfrentar algo que definitivamente não esperávamos, dado a nossa constante atenção e marcação própria do caminho no celular: A trilha que seguíamos, que era a correta, acabava em um ponto e depois dele não havia nada. O Gps no celular não estava tão preciso, mas não entendíamos como após aquele ponto a trilha simplesmente não existia. Procuremos ao redor e nada, nem um sinal da maldita da trilha, e quanto mais nos afastávamos, temíamos ainda acabar perdendo o caminho da onde viemos. Quando retornávamos, acabávamos sempre chegando naquele mesmo ponto, pois estranhamente lembrávamos da curva que chegava até ali, mas era como se a trilha á seguir tivesse simplesmente fechado de uma forma absurda. Insistimos em avançar mais adiante em mata fechada, tentando se basear na trilha marcada no celular até que uma hora ou outra saíssemos no caminho correto, passando por áreas realmente muito fechadas até que enfim saímos na trilha correta. Talvez deveríamos retornar por ela e ver onde estava o erro, mas na hora só queríamos saber de usufruir a dádiva que era estar no caminho certo e nada mais.
Pouco depois, um homem com cerca de 50 anos aparece na trilha, com roupas "normais", á cerca de 1:30 de "subida" de trilha, isso aproximadamente ás 16h da tarde. A dúvida tomou conta do meu ser e eu precisava saber oque aquele homem estava fazendo ali, já que para mim, a única coisa que me veio na cabeça seria um homem desorientado ou com problemas psicológicos que morava na região ter entrado no mato, aonde via eventualmente outras pessoas entrando, e seguindo o caminho para ver onde iria dar. Eu pergunto para ele:
 - Boa tarde... É... Para onde o senhor está indo?
Em tom estranho, ele me responde:
 - Ah, estou subindo aí... Falta muito?
 - Mais de duas horas com certeza, mas onde o senhor pretende ir?
 - Para Morretes.
Aí a minha hipótese parecia estar certa, mas eu ainda achava muito estranho a situação
 - Mas senhor, isso aqui não leva á Morretes!
 - Ah, não leva...? Ah, mas tudo bem então... Vou subindo mesmo assim
Nesse momento, passo por ele com meu companheiro mas claramente havia algo de estranho, e no que eu olho para trás, este homem já estava em mãos, na altura do tórax, um grande rifle de caça e caminhava descendo em minha direção, enquanto eu olhava para trás, e ele com um olhar sério de quem caçaria nos sonhos aquele que denunciasse aos órgãos de conservação que ele estaria caçando naquela trilha. Olho para frente, e falo baixo para meu colega "acelera...!" e ele logo entende o recado e acelera o passo, e logo á frente pergunta "oque houve?" e eu digo "cara, o cara tava armado com um rifle nos espantando logo atrás de nós, você viu?" e ele "não, eu só vi o outro cara!" "QUE OUTRO CARA?" "Tinha outro cara escondido atrás da árvore do seu lado, e quando ele viu que eu o via, ele apenas sorria". Pois bem, caçadores e trilheiros não são um casal. Eles temem que suas atividades sejam atrapalhadas ou denunciadas por frequentadores que começam á ir em seus locais de caça e neste dia minha vontade de orientar uma pessoa possivelmente desorientada no meio do mato acabou sendo um caçador que certamente queria que eu passasse reto e não fizesse muitas perguntas. Primeira vez é aprendizado. Disse que tá indo pra Morretes, quando Morretes é literalmente pro lado oposto? Então finge que ele tá certo antes que ele te entenda como alguém que irá atrapalhar os próximos dias ou horas dele no mato. Uma hora depois e a trilha encerra, e bora para casa pois certamente tem carrapato para tirar do corpo. E tinha. Muitos.